série Minhas perplexidades e meus amores, 2007

esta série foi apresentada em novembro de 2007, na galeria Mercedes Viegas (RJ) e contou com texto crítico de Fernando Cocchiarale.
abaixo segue o texto e na sequência as imagens:

Os desenhos aquarelados e as instalações recentes de Daniel Murgel são paisagens contemporâneas. Neles a cena enquadrada pelo retângulo da tela dá lugar a espaços fragmentados, seja quando os monta por meio de alguns desenhos, seja quando num único trabalho mostra-nos seus principais emblemas: árvore, homem e cidade seccionados do ambiente comum que os deveria acolher e aconchegar.
A paisagem foi concebida pela arte do Ocidente como enquadramento, em retângulos horizontais, de cenas ao ar livre (a janela renascentista). Muitos podem supor que essa seja uma decorrência natural e lógica daquilo que observamos na nossa experiência visual do mundo natural ou urbano. Mas na realidade ela manifesta uma invenção histórica (portanto relativa) do Renascimento, baseada na fixação da linha do horizonte,fundamental para a perspectiva, já que para ela fugiam as projeções de todos os objetos situados no primeiro plano e em todos os outros planos do quadro.
Longe de resultarem de uma representação ótica exata da natureza, esses princípios são tão convencionais quanto quaisquer outros, já que existem exemplos históricos alternativos de construção paisagem, como a verticalidade do enquadramento habitual chinês ou a projeção planar da arte egípcia, por exemplo.
Murgel, no entanto, não altera somente a unidade espacial do quadro clássico, rompida de diversos modos, por muitos artistas, desde o modernismo.Ele desloca o homem da exterioridade contemplativa do quadro, para dentro do mundo desarticulado que sua obra apresenta. De sua ação positiva qual senhor do planeta o homem aqui é não só fragmento dessa outra paisagem, como também fragmento de sua própria integridade. Por isso a solidão de partes que só se comunicam parcialmente (pela fiação urbana que alinhava os pedaços de cada narrativa) ou pelas ilhas de espaço (fragmentos de paisagem inscritos em espaços reais) formadas por suas instalações nas quais o público pode quase sempre penetrar.
O olhar de Daniel Murgel edita fragmentos. Construir instalações ou apropriar-se de técnicas de longa tradição nas artes são operações correlatas. As questões que movem sua produção são indissociáveis, portanto, do domínio e da experimentação dos meios que elegeu. Aquarela e nanquim estão aqui a serviço da desarticulação de princípios de representação do espaço que no passado ajudaram a construir.

Fernando Cocchiarale
Novembro de 2007