A casa sem paisagem - 2010

Texto de Renato Silva
Seja bem vindo. Abro a ti a casa construída sobre os cacos de minhas lembranças e esta se finca n`algum ponto entre o que me lembro e o que esqueço, todos os dias. Intervalos insistentes numa ausência que atrofia e se completa. Esgrouvinhada a alma.
Possivelmente tenha exagerado no desapego às complicações dos dias em troca da lucidez a qual me agarro e somente dessa maneira, consegui estabelecer o meu alicerce. Talvez como forma de entender o meio em que um dia não vivi, reverbero nesse cubículo, habitando-o, não alheio ao todo.
Não se enganem. Não há aqui qualquer solidão e tampouco aplicarei mísera força num músculo sequer, em busca do caos externo. Sou sabedor dos horizontes ralos que nos reserva essa falta de desejo. Acostumei-me a construir o nada. Lúcido, transparente.
O aconchego deste meu lar – isso o que se põe mais caro - tomou forma com o sentar dos tijolos. Um a um, na sutil leveza dos movimentos, apontam minha descompassada geometria, como marcadores temporais de infinitas memórias.
Varias são as incongruências por mim entendidas e vividas no passar dos dias. No movimento mais ousado, confronto-me em várias batalhas que se concretizam por não haver oponente qualquer. Não os culpo. São também minhas as impossibilidades dessa luta. Estranha síntese de um processo inteiro, composto do velado enfrentamento como forma de existência. Silencio-me e em troca construo o meu conforto.
Para além de qualquer espera, por hora, parto. Companheiros me saúdam a angústia e desejo em escalas indefinidas. Somente peço o cuidado para que não se esbarre nessa generosa hospitalidade. Há muito de mim aqui e o caminho mais indicado para que apreciem o conforto oferecido é a espera. Caso seja um visitante de boa ventura, encontra-me nesta ausência junto a ti. Vivendo e dissimulando.
Tome, é tua a casa. Use-a, pois, como bem entender. Tens a ela, tens a mim.
Não volto logo.