Desenhos
Projeto para a instalação 2 (dois) espelhos e 1 (uma) paisagem
aquarela, nanquim e grafite s/ papel
150 x 150 cm
2015
Desenho de caderninho n° 1
aquarela, nanquim e grafite s/ papel
150 x 300 cm
2015
Desenho de caderninho n° 2
aquarela, nanquim e grafite s/ papel
150 x 300 cm
2015
Desenho de caderninho n° 3
aquarela, nanquim e grafite s/ papel
150 x 300 cm
2015
coleção Museu da Cidade de São Paulo
Desenho de caderninho n° 4
aquarela, nanquim e grafite s/ papel
150 x 300 cm
2015
Objetos
Impermeável n° 1
terra, manqueiras de borracha, concreto e planta (espada de são jorge)
dimensões variáveis
2015
Impermeável n° 1
terra, manqueiras de borracha, concreto e planta (espada de são jorge)
dimensões variáveis
2015
Instalação
2 (dois) espelhos e 1 (uma) paisagem
vista da fachada da galeria
Detalhe da fachada
2 (dois) espelhos e 1 (uma) paisagem
instalação - tijolos, cimento, telhas de fibra, água da chuva, canos de pvc e mangueira de borracha
40 x 100 x 300 cm (cada tanque)
2015
Detalhe n°1
Detalhe n° 2
O banco dos egoístas
tijolo e cimento
160 x 120 x 80 cm
2015
Paisagem / Construção
concreto
50 x 70 x 5 cm
2015
Texto de Maria Montero
“Não confie na sorte, pense”
Ao escrever, deparamo-nos, inevitavelmente com o branco do papel virtual da tela do computador. Penso que o objeto artístico também parece começar de um mistério branco: do papel, da parede, do espaço, do tempo. “Tudo aliás é ponta de um mistério” (1). Em 2011, Daniel Murgel, artista carioca, veio tentar a vida no concreto paulistano. Na casa histórica, espremeu-se em uma pequena sala que lhe serviu de ateliê por dois anos. Ocupou buracos. Mas o Rio de Janeiro lhe chamou de volta. Hoje vive e trabalha lá, em cima de um bonito morro, numa casa que ele acredita ter sido morada de escravos, bairro ora apelidado de “Pequena África”, onde o samba começou há 150 anos. Nesse presente retorno, a sala do Phosphorus serviu-lhe como ateliê e a do segundo andar, da Sé, como espaço expositivo. Nas paredes pretas desenrolou dez metros de papel branco, cortou-os em pedaços de diferentes tamanhos, trouxe uma planta para lhe fazer companhia e ligou seu aparelho de som com seus rock and rolls. Começou assim. Sempre tantos os caminhos possíveis. Ao considerar a noção de caminho, percurso e trajetória, poderia optar por desdobrar o texto na ideia de lugar, deslocamento, pertencimento, trânsito. É cristalina a contaminação dessas questões na produção de Murgel. São, no entanto, questões demasiado amplas que aplicam-se à praticamente toda obra contemporânea. Outro caminho seria adentrarmo-nos no campo dos afetos, das intimidades, das questões domésticas, da relação do artista com o espaço e com o entorno. São caminhos. Há também, o caminho que teria como intenção traçar brevemente as questões formais que atravessam a produção do artista: o embate direto com a matéria, a construção escultórica como arquitetura, o trabalho como exercício prático, tijolos, ruínas, arcos, aquedutos, barro, cimento, o precário, espaços como lugar de clausura, grades, muros, guaritas, plantas e jardins, cúpulas, concreto armado, vasos, destruição, memória, cômodos e incômodos. Somado a isso há a presença constante do papel. São simultaneamente dois territórios explorados. Seus desenhos/pinturas feitos a lápis, tinta e aquarela são utopias poéticas disfarçadas de projetos. São anotações, revoluções, desgostos e sim, possuem função de estudo para suas construções. Há uma engenharia poética por trás do caminho. Poderia, quem sabe, escrever um bonito texto apenas com os títulos de seus trabalhos anteriores: “no ponto onde estou compreendo o silêncio”, “a casa sem paisagem”, “a casa arruinada nas pedras”, “sobretudo que nada sobra”, “gabarito de memórias”, “ilhas portáteis” e os mais recentes “Foda-se”, “Fora” e “Não”. Outra opção seria descrever suas inspirações, referências poéticas e conceituais. No seu processo, duas categorias de literatura foram consultadas, as quais chamamos de “literatura de ambientação” e “literatura poética”. A de ambientação serviu como instrumento de reconhecimento do lugar e suas especificidades: o centro da cidade de São Paulo, espelho de paradoxos, onde a arquitetura não consegue esconder a degradação humana, social e política. Encontrou dois livros que lhe serviram como material de apoio: “A boca do lixo”, uma análise de como a sociedade se relaciona com a prostituição, mostrando as entranhas do submundo da capital paulista nas décadas de 60 e 70, por meio de personagens marginalizados. Livro escrito e protagonizado por Hiroito de Moraes Joanides (considerado um dos bandidos mais famosos de São Paulo) e “Capital da Solidão”, uma história de São Paulo, das origens a 1900”, de Roberto Pompeu de Toledo.
Ambientado e com os papéis preenchidos de desenhos, escritos e utopias, recorreu à “literatura poética”: olhou, então, para o espelho na obra de Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Machado de Assis. Ficou decidido que a sala expositiva não abrigaria os grandes desenhos denominados “Desenho de Caderninho”. O companheiro de estrada, o caderninho, que acompanha sempre os artistas, aqui tomou escala humana, tornou-se público para ser visitado. Estão ali escancaradas frases, desenhos, gritos e catarses. A exposição teve nome provisório de: “Pequenas agressões e algumas palavras”. Murgel optou, no entanto, por ocupar a sala que tem vista para o passado histórico-colonial com uma instalação contemplativa: dois espelhos d’água, que refletem o desenho da janela, um banco de três lugares. A obra é movida à chuva, sistematizada de modo que o espelho recebe a chuva por meio de telhas e o excedente corre por canos que passeiam pela casa até uma cisterna no andar debaixo. Providencial? Perfeitamente adequado ao momento presente? Sim, mas isso se deu por quase acaso, simultaneidade que na arte acaba sendo descrito como arte-vida. Antes de finalizar o labirinto dos caminhos, faltava um. Murgel enviou-me, em uma de nossas conversas que ocorrem por diversas vias virtuais, o link para o documentário sobre o poeta Manoel de Barros: “ontem choveu no futuro”. É ele o poeta que diz ter comprado seu ócio para ficar à disposição da poesia. É possível compreender tantos mundos com essa pequena sentença. “Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo” (2). Murgel debruçou-se na construção do seu espelho, tijolo a tijolo. A humanidade, antes desvendar o espelho plano, de metal, mirou-se nas superfícies de água quieta. Não há maior metáfora de transcendência que o espelho. Não há maior metáfora do momento presente que a chuva da chuva. “Como somos no visível?” (3) “Os olhos são a porta do engano. Duvide deles, não de mim” (4). Mas “a poesia não gosta de ser explicada” e “se os fatos não correspondem à vida, azar dos fatos” (5).
(1)(2)(3)(4)ROSA, J. G. O espelho. In: ______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. (5)CEZAR, P.; ADLER, K.; PAES, M. Só dez por cento é mentira: a desbiografia oficial de Manuel de Barros. [Filme-vídeo] Direção de Pedro Cezar, produção de Kátia Adler e Marcio Paes. Artezanato Eletrônico, 2009.